28 de mar. de 2010

UMA RIQUEZA SIMPLES ASSIM...



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UMA RIQUEZA SIMPLES ASSIM...




Mary acordou agitada do pesadelo. Ofegava, tremia. Dentro em si, um coquetel de sentimentos oscilando entre saudade, remorso, carinho, vergonha e compaixão. Um desejo grande de rever a família que deixara para trás há doze anos quando decidiu partir do Rio Grande do Norte para a grande São Paulo com objetivo de obter prestígio, ser importante. Ter sucesso, vencer na vida esquecendo-se da miséria a qual se viu obrigada a suportar.

Cobrindo o rosto com as duas mãos, ela não sabia o motivo do coração depois de tantos anos trazer à tona lembranças de um tempo onde a vida era pé no chão, Sol na cara e muita miséria sobre a mesa. Não! Queria esquecer de onde viera. Havia endurecido o coração e enterrado junto com os anos que se foram, os rastros do que viveu no passado. A família simples era motivo de desprezo e rejeição. Aos vinte nove anos mal se lembrava dos tempos da dificuldades. Havia deletado de si os malditos dias idos há muitas primaveras atrás.

Ao contrário de toda sua vontade, de todo o querer, Mary sentia saudade da risada mãe, do paizinho das mãos calejadas, das irmãs das roupas simples e das falas caipiras.

- Por que isso agora? Que droga de sentimento fazendo-me mole? Eu estou chorando!? – Mary sentia-se mal com o que sentia. Não queria jamais admitir que o coração a impelia ir ao encontro das suas origens, voltar para braços do pai, para o colo da mão e para os abraços da manas.

Olhando para o relógio digital sobre o criado mudo, conferiu a data e pensou:

“- Meu coração deve estar derretido assim como manteiga de garrafa porque hoje é dia de Ramos... Semana Santa sempre amolece meu coração!” - Mary lembrou-se que naquela mesma data, todos os anos a mãe reunia a vizinhança na fazenda para a Missa de Ramos. Era o maior acontecimento do pequeno povoado. Lembrou-se ainda, aos oito anos de idade, brigou com o amigo Neko porque ele estragou seu ramo da procissão confeccionando uma pulseira trançada para servir como símbolo de namoro para eles. Veio a imagem da raiva sentida naquela hora e de ter pisado no pé do Neko com força e ter corrido na tentativa de conseguir outro ramo de Palmeira.

Logo que chegou a São Paulo, Mary estudou numa ótima faculdade. Obteve destaque no estágio por ser determinada, inteligente e conseguiu logo bom emprego. Á medida que ascendia profissionalmente, mais se distanciava das lembranças da menina simples. Na grande cidade crescia em talento e prosperidade. Vivia rodeada de luxo e já falava fluentemente três idiomas. Viagens, festas, vida social, tudo o que sonhava, podia. O que desejava estava ao alcance das suas cifras.

Por bons anos Mary acreditou que tudo aquilo seria suficiente para ser feliz. Bastou um pesadelo, um pouco de consciência que lhe restava e muito de remorso em sua vida para que sentisse a vontade de voltar ao seu local de origem. Sem muito pensar, quando o relógio marcou seis da manhã, levantou-se da confortável cama. Depois do banho, pelo celular comprou a passagem para a volta ao lar dos pais. Todo ano Mary recordava da família, sem contudo, ter coragem ou vontade de voltar ao Rio Grande do Norte para uma visita ou mesmo fazer uma simples ligação telefônica. Mas, no ano em que completaria trinta anos, o amadurecimento talvez a tivesse feito sentir falta das fortes raízes abandonadas na terra natal.

Quando o táxi aproximava-se da antiga fazenda, Mary pediu que motorista parasse e que esperasse alguns minutos. Desceu do carro, sentiu o aroma de mato fresco pisado, respirou do ar limpo, deliciou-se com a brisa fresca em seu rosto como um primeiro afago da terra que por anos ficou sem vê-la.

Diante da cena que via, Mary sofria pela lembrança das suas últimas falas para os pais. Voltou no tempo, quando aos dezessete anos, cheia de rebeldia com uma mochila nas costas e muitas ambições e sonhos em mente, disse para eles:

- E não adianta insistir para que eu estude em Natal, eu quero voar alto, quero ir para a Nova York brasileira! Eu vou para São Paulo e não há quem me impeça, entenderam? E podem deixar a porteira fechada que minha ida é sem volta. É para nunca mais voltar!

Naquele instante, Mary que se chamava na verdade Maria do Socorro, chorava feito menina carente de colo. Chorava como criança abandonada ou menina arrependida. Baixinho falou:

- Meu Deus! Como pude ser como fui? Meus pais não mereciam as palavras duras proferidas por minha boca malcriada! E hoje aqui, diante da porteira fechada eu me sinto como o filho pródigo arrependido, de coração desmanchando em aflição pela consciência dos erros cometidos fico pensando do que adianta ser poliglota, falar várias línguas se desaprendi a linguagem do amor. Quanta riqueza em ensinamentos desperdicei por estar cega de ganância, por querer ser importante, abdiquei dos valores mais raros e nobres. Pobre pais, como pude...

Mary abriu a porteira, fez sinal para que o táxi passasse. Quando o carro parou para que entrasse, ela disse que seguiria andando, que ele seguisse em frente até a casa.

Com os pés e a vergonha no chão, Maria do Socorro caminhava lavando a alma em lágrimas e arrependimentos. Ao ouvirem a buzina do carro, pai e mãe vieram ver quem chamava. Ao avistarem a filha, o mãe chorando gritou para o pai:

- Corre homem de Deus, é a Maria S.O.S! – A mãe com o amor que não acaba, com aquele amor que vai crescendo conforme a estatura do filho, a chamou pelo mesmo carinhoso apelido de quando Mary menina – Maria S.O.S.

Mary entre choros e risos, alegrias e vergonhas, sentiu que Deus havia permitido novamente repetir aquela cena do filho pródigo que partiu em orgulho, retornou pobre de vergonha e recebeu a riqueza do perdão e do amor que não tem preço, não se compra e cuja linguagem não se aprende a não ser com o coração pleno de sentimentos verdadeiros e humildes.

Foi a primeira vez que Mary sentiu seu coração realmente leve e limpo. Decidiu viver a vida sem porteira fechada para o que mais importa, o amor verdadeiro da família, dos amigos, do lado bom e belo da vida. Uma riqueza simples assim...

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